sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Marcha da Consciência Negra e Copa do Mundo 2022

 


Marcha da Consciência Negra e Copa do Mundo 2022

Por: Francisco José Nunes



Neste ano, o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, coincide com o dia da abertura da Copa do Mundo - 2022. A marcha em São Paulo começará às 10h00, no MASP e irá até o Theatro Municipal. 


A Copa do Mundo, no Catar, vai ter a Cerimônia de Abertura às 12h00 e o início da partida entre o Catar e o Equador às 13h00 (horário de Brasília).



O lema da Marcha da Consciência Negra deste ano é: “Por um Brasil com Democracia e Sem Racismo”!



A questão racial e o futebol são inseparáveis. E isso faz lembrar um caso de racismo ocorrido com um amigo do escritor Joel Rufino dos Santos, que estava assistindo um jogo no Maracanã. O escritor relata o caso no seu livro “O que é Racismo” (Editora Brasiliense, p. 40):


Um amigo meu, famoso ator de TV, assistia a um Flamengo e Grêmio, no Maracanã. Toda vez que Cláudio Adão perdia um gol - e foram vários - um sujeitinho se levantava para berrar: “Crioulo burro! Sai daí, ô macaco!” Meu amigo engolia em seco. Até que Carpegiani perdeu uma oportunidade “debaixo dos paus”. Ele achou que chegara a sua vez. “Aí, branco burro! Branco tapado!” Instalou-se um súbito e denso mal-estar naquele setor das cadeiras - o único preto ali, é preciso que se diga, era o meu amigo. Passado um instante, o sujeitinho não se conteve: “Olha aqui, garotão, você levou a mal aquilo. Não sou racista, sou oficial do Exército”. Meu amigo, aparentando naturalidade, encerrou a conversa: “E eu não sou”.


Jogo correndo, toda vez que Paulo César pegava uma bola, algumas fileiras atrás um solitário torcedor do Grêmio amaldiçoava: “Crioulo sem-vergonha! Foi a maior mancada do Grêmio comprar este fresco…” Meu amigo virou-se então para o primeiro sujeito e avisou: “Olha, tem um outro oficial do Exército aí atrás…”


A primeira edição do livro “O que é Racismo” é de 1980. Portanto, publicado na última etapa da ditadura militar. Emblematicamente estamos caminhando para o último mês de um “governo militarizado”. Governo que estimulou o racismo diariamente. Mas em ambos os períodos o Movimento Negro e Antirracista ganhou força e musculatura. 


Considerando que, historicamente, durante os períodos de “redemocratização” dificilmente a “democracia” chega até a periferia da sociedade, onde está a maior parte da população negra, o Movimento Negro e Antirracista terá um grande desafio pela frente: lutar por uma democratização que inclua os setores populares.


O dia 20 de novembro de 2022 estará recoberto por um forte simbolismo na luta por uma democracia que inclua os setores populares!


Viva Dandara! Viva Zumbi dos Palmares! Viva Marielle Franco!


segunda-feira, 14 de novembro de 2022

O livro “A Metamorfose”, de Kafka, e o Mundo do Trabalho



O livro “A Metamorfose”, de Kafka, e o Mundo do Trabalho

Por: Francisco José Nunes


O livro desencadeia uma profunda reflexão sobre o sentido da existência humana, sobre a exploração da classe trabalhadora, sobre as contradições da chamada “família tradicional” e sobre as crises da sociedade burguesa.



O “Café Filosófico na Paulista”, realizado no dia 26 de outubro, promoveu uma profunda reflexão, inspirada na famosa obra de Kafka. O evento ocorreu no Auditório Assis Chateaubriand, da Faculdade Paulista de Comunicação - FPAC.


A convidada para fazer a reflexão foi a Profa. Ana Paula Ribeiro, professora de Geografia e Coordenadora Pedagógica na Rede Municipal de Educação de São Paulo. O evento contou com a apresentação do Prof. Francisco José Nunes, professor de Filosofia, Mestre em Ciências Sociais e criador do “Café Filosófico na Paulista”.


O livro “A Metamorfose” é um dos mais importantes e influentes da Literatura Ocidental. A primeira frase do livro é impactante: “Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”.


O protagonista, Gregor Samsa, é um “caixeiro-viajante” e arrimo de família. Ao acordar de manhã, percebe que não era mais um ser humano, mas um inseto monstruoso. Isso impedia que ele saísse para trabalhar. Algumas horas depois, o chefe de Gregor no trabalho, bate na porta de seu quarto querendo saber o porquê dele não ter ido trabalhar.


O livro foi publicado em 1915. É um dos poucos livros de Kafka publicados em vida. Já que ele faleceu com 41 anos de idade. A publicação aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial, refletindo as contradições da “modernidade europeia” e o ambiente fecundo para o crescimento do Fascismo e do Nazismo.


Neste momento de crises que perpassam a sociedade brasileira e grande parte do planeta terra, as reflexões de Kafka conseguem iluminar nossa caminhada rumo a uma sociedade fraterna e economicamente solidária.


As Metamorfoses kafkianas no Mundo do Trabalho


A palestrante foi a Profa. Ana Paula Ribeiro, professora de Geografia e Coordenadora Pedagógica da Rede Municipal de Educação de São Paulo. Ela apontou três questões centrais na obra: a metáfora da desumanização, a solidão do ser e a crise da modernidade. Ao longo de sua fala ressaltou que a transformação de Gregor, o protagonista, em inseto monstruoso já expressa visualmente a desumanização. Essa transformação já ocorria antes, quando Gregor era um trabalhador explorado e, portanto, alienado do fruto do seu trabalho. Esta alienação já ocorria na convivência com a sua família ao longo da vida, culminando com a etapa em que ele é abandonado no quarto.


Durante o debate no Café, os participantes fizeram perguntas e também falaram sobre as suas impressões com relação ao livro. Falou-se sobre as semelhanças entre a situação de Gregor com a situação das pessoas que sofrem com a depressão. Alguém falou sobre o isolamento sofrido pelas pessoas que têm uma orientação sexual diferente da heteronormatividade imposta pela classe dominante na sociedade.


O livro foi publicado em 1915, durante a chamada Segunda Revolução Industrial, período caracterizado pelas péssimas condições para os trabalhadores nas fábricas, longas jornadas de trabalho, baixa remuneração e muita desigualdade social. Apesar da sofisticação tecnológica, no Século XXI ainda podemos notar características semelhantes no mundo do trabalho: ambientes de trabalho inseguros, com muitos acidentes de trabalho, com muito assédio moral e sexual, longas jornadas de trabalho, baixa remuneração e muita desigualdade social.


É notável a integração entre o contexto histórico e a obra. A estética kafkiana é muito contundente, seca, direta e potente. Este livro demonstra o alto nível da qualidade literária de Kafka. O “Café Filosófico na Paulista” foi uma oportunidade propícia para os leitores e leitoras trocarem as suas impressões, compartilharem suas reflexões e alimentarem o amor pela Filosofia e pela Literatura.


Reflexões kafkianas no Século XXI


O adjetivo “Kafkiano” está no mesmo patamar de: “homérico”, “dantesco” e “quixotesco”. O autor desenvolve com maestria uma espécie de “literatura do absurdo”. Ao modo expressionista ele expõe as crises vividas no início do Século XX: crise existencial (no caso do autor, com relação ao forte antissemitismo; a quantidade absurda de mortos durante a Primeira Guerra Mundial, etc); crise no mundo do trabalho (a exploração absurda dos trabalhadores; o prenúncio da crise capitalista que culminará em 1929, entre outras). A crise está presente nos diversos âmbitos da sociedade europeia. 


O ponto central da obra “A Metamorfose” é a alienação. Quando Gregor, o protagonista, percebe que não tem mais o corpo humano, mas havia se transformado num inseto, fica explícita a alienação. Gregor “toma consciência” que a vida que ele levava não pertencia a ele. Ele vivia praticamente para o trabalho e, portanto, não tinha controle da sua vida. A sociedade moderna separa as pessoas do produto do seu trabalho, separa umas pessoas das outras (incentivando o individualismo) e “separa a pessoa de si própria” (impedindo que possa dar sentido à sua vida).


Em vários momentos na obra é possível perceber o processo de desumanização: quando a irmã retira do quarto os móveis e os quadros (tirando as referências afetivas de Gregor); quando a irmã começa a tocar violino (a música é uma referência muito importante no processo de humanização, na obra a música deixa de ser uma expressão artística e vira apenas um entretenimento); quando a irmã deixa de tratar o Gregor como um irmão e passa a usar a palavra “isso” (ele deixa de ser um ser humano e passa a ser uma coisa).


No livro Kafka faz uma dura crítica ao modelo de família tradicional, ao mostrar que uma pessoa que era o arrimo da família ao ficar impossibilitada de continuar trabalhando foi: isolada, maltratada e posteriormente excluída. Durante a sua fase produtiva ele era parasitado pela família, depois da transformação ele foi tratado como um parasita. 


A escolha do livro “A Metamorfose” para reflexão no “Café Filosófico na Paulista”, demonstrou ter sido acertada, já que explicitou a riqueza de temas nesta obra, inclusive, deixando em aberto inúmeras possibilidades para futuras reflexões.



Sugestões de leitura:


1 - “Franz Kafka Essencial”, este livro da Editora Companhia das Letras consiste numa coletânea de obras do Kafka. Além do livro “A Metamorfose”, tem outras obras famosas do autor, como por exemplo: “O veredicto”, “Um artista da fome”, “Na colônia penal” e “Diante da lei”. Cabe destacar o texto de introdução, escrito pelo Prof. Modesto Carone, um estudioso da obra de Kafka e um dos principais tradutores da obra do escritor tcheco.


2 - A biografia de Kafka, escrita pelo crítico de arte francês Gérard-Georges Lemaire, pela Editora L&PM, edição de bolso.