sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Desesperar jamais!

 

Avenida Paulista do topo do 
Mirante do Sesc Paulista
(Foto: Francisco Nunes)


Desesperar jamais!


Por: Francisco José Nunes

(Mestre em Ciências Sociais - PUC/SP;

graduado em Filosofia e ativista em

diversos movimentos populares)


Nos dias atuais, ouvimos com frequência, as pessoas falarem que estão frustradas, tristes, sem esperança, deprimidas. Por consequência das lutas políticas e sociais. Em termos gerais, o nome dado a este fenômeno é niilismo. Esse termo, filosoficamente, significa: “doutrina que nega a existência do absoluto, quer como verdade, quer como valor ético”.


A desesperança provocada em parte das pessoas ocorre porque, propositalmente, a classe dominante (isto é, os mais ricos) financia movimentos, partidos e políticos que difundem ideias estúpidas e recorrem a ações repugnantes, de tal forma que inviabilizam a disputa política, monopolizam a mídia, contaminam o ambiente escolar, disseminam o ódio e o preconceito através dos grupos religiosos.


Originalmente o niilismo tem um sentido positivo que é o de negar, contestar o poder absoluto (monarquias), contestar regras impostas, contestar as diversas formas de autoritarismo, contestar os valores morais opressores etc. Mas, no ambiente atual, o niilismo transformou-se num ambiente de negação dos direitos sociais, negação do respeito à diversidade, de negação das regras básicas do exercício da política entre outras.


Atualmente a classe dominante está na ofensiva e alimentando o niilismo em seu benefício. Por outro lado, os setores organizados da classe dominada (de esquerda) estão na defensiva. Isto porque, acabou ficando numa posição incômoda que é a de defender os “valores da sociedade ocidental cristã” e de defender as instituições da “democracia burguesa”. Fazem essa defesa porque, “ruim com ela, pior sem ela”! Mas não conseguem traçar uma estratégia eficaz e massiva para romper com este impasse.


A situação se complica porque na definição de “ocidental” o Brasil não está incluído! Portanto, nós ficamos com o ônus e não usufruímos do bônus!


Se pararmos para pensar sobre os tais “valores da civilização ocidental cristã”: democracia, capitalista, Deus, pátria e família, iremos visualizar o fundo do poço da sociedade. Já que: a “democracia liberal burguesa” na maioria das vezes se apresenta como uma plutocracia (sociedade governada pelos mais ricos), a democracia política se resume ao dia da eleição, a democracia não é estendida para os meios de comunicação, para o funcionamento do poder judiciário, a democratização do sistema de segurança e repressão (polícias e forças armadas), para o necessário controle do poder econômico, entre outras dimensões que necessitam passar por um processo de democratização; o capitalismo, apesar de todos os seus males (concentração de riqueza nas mãos de poucos, exploração da classe trabalhadora, destruição do meio ambiente, entre outros), além do mais nem sequer chegamos a ser uma sociedade capitalista de fato; a figura de Deus é a do Deus cristão, monoteista, branco, patriarcal, que discrimina as divindades dos povos indígenas e dos afrobrasileiros; o modelo de família é patriarcal, monogâmico e heterossexual, com o acobertamento da violência sexual, do feminicídio, da infidelidade conjugal etc.


Como enfrentar todos estes problemas? Primeiro passo: devemos explicitá-los com todas as letras. Há uma cautela excessiva no enfrentamento dos “valores ocidentais”.


Em períodos eleitorais as relações entre Religião e Política ficam mais expostas. Especialmente numa época de crescimento dos movimentos fascistas. O tradicional slogan: Deus, Pátria e Família é utilizado à exaustão pelos políticos conservadores, resultando em muitos votos para os partidos de direita e de extrema-direita.


Na prática, todos sabemos que estes políticos não acreditam em Deus, são traidores da Pátria e não respeitam as famílias, principalmente as suas próprias.


Estes chamados “valores da sociedade ocidental cristã” já estavam em crise lá na metade do século XIX, conforme constatou o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). No seu livro “A Gaia Ciência” (1882) podemos ler o famoso aforismo 125, intitulado “O homem louco”:


Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!”? - E como lá se encontrassem muitos daqueles que não acreditavam em Deus, ele despertou com isso uma grande gargalhada. Então ele está perdido? perguntou um deles. Ele se perdeu como uma criança? disse um outro. Está se escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou num navio? Emigrou? - gritavam e riam uns para os outros. O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar: “Para onde foi Deus?”, gritou ele, “já lhes direi! Nós o matamos - vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não caímos continuamente? Para trás, para os lados, para a frente, em todas as direções? Existem ainda ‘em cima’ e ‘embaixo’? Não vagamos como que através de um nada infinito? Não sentimos na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não temos que acender lanternas de manhã? Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? - também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós, assassinos entre os assassinos? O mais forte e mais sagrado que o mundo até então possuíra sangrou inteiro sob os nossos punhais - quem nos limpará este sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? A grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele? Nunca houve um ato maior - e quem vier depois de nós pertencerá, por causa desse ato, a uma história mais elevada que toda a história até então¹” Nesse momento silenciou o homem louco, e novamente olhou para seus ouvintes: também eles ficaram em silêncio, olhando espantados para ele. “Eu venho cedo demais”, disse então, “não é ainda meu tempo. Esse acontecimento enorme está a caminho, ainda anda: não chegou ainda aos ouvidos dos homens. O corisco e o trovão precisam de tempo, a luz das estrelas precisa de tempo, os atos, mesmo depois de feitos, precisam de tempo para serem vistos e ouvidos. Esse ato ainda lhes é mais distante que a mais longínqua constelação - e no entanto eles o cometeram! - Conta-se também que no mesmo dia o homem louco irrompeu em várias igrejas, e em cada uma entoou o seu Requiem aeternam deo. Levado  para fora e interrogado, limitava-se a responder: “O que são ainda essas igrejas, se não os mausoléus e túmulos de Deus?”. 

(NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. São Paulo: Cia. das Letras, 2001 [Edição original 1882]. Grifos nossos.


Poderíamos traçar inúmeros comentários. Vamos colocar alguns aqui e deixar que os leitores e leitoras reflitam sobre os inúmeros aspectos presentes neste aforismo.


Curiosamente “quem matou Deus” não foram os ateus, mas os crentes que são os donos do mercado (mercado aqui no sentido mais amplo possível, que vai do comerciante até os banqueiros). No nosso dia-a-dia ouvimos a imprensa dizer, “o mercado está insatisfeito”, “o mercado está nervoso”, “precisamos ouvir o mercado”. Provavelmente Nietzsche não pensou nesta perspectiva mais ampla, mas hoje podemos fazer esta leitura.


O filósofo Nietzsche sabia da gravidade da notícia que precisava dar, por isso criou um personagem, “o homem louco”, para fazer o anúncio. A atualidade deste texto é impressionante!


Mas a questão central é: ao “matar Deus”, a classe dominante “matou” as referências fundamentais, os princípios, as verdades. Não por acaso, convivemos hoje com uma grande onda de negacionistas, terraplanistas, entre outras aberrações.


Em suma, “desesperar jamais”! Temos que remoer todos estes problemas, estudar o tema do niilismo e continuar lutando em nossas organizações!


Segue, abaixo, três sugestões de leitura para o aprofundamento do tema:


1 - “Niilismo”, de Rossano Pecoraro, Editora Zahar.


2 - “A Gaia Ciência”, de Friedrich Nietzsche, Editora Cia. das Letras.


3 - “Nietzsche: Viver intensamente, tornar-se o que se é”, de Mauro Araujo de Sousa, Editora Paulus.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

O clima não está bom

 

Foto: Avenida Paulista (Francisco Nunes)




O clima não está bom




Por: Francisco José Nunes

(Mestre em Ciências Sociais - PUC/SP; graduado em Filosofia;

ativista em diversos movimentos populares)




Nesta semana, de 9 a 13 de setembro de 2024, a cidade de São Paulo transformou-se na cidade mais poluída do planeta! Infelizmente, já há muito tempo a capital paulista convive passivamente com a poluição. Mas nunca havia conquistado este título.




Em 2007 o filósofo, teólogo e ecologista Leonardo Boff publicou um artigo intitulado “O palhaço de Kierkegaard”. O escritor brasileiro cita um aforismo do filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1955), sobre um incêndio que inicialmente atingiu as cortinas dos fundos do circo.




Preocupados, os artistas decidiram avisar imediatamente o público para que se retirassem do circo, mas o único artista que estava pronto para entrar em cena era o palhaço. Então ele foi até o palco, comunicou o ocorrido e pediu para que todos saíssem do local. Mas o público começou a rir. Desesperado, o palhaço começou a fazer apelos insistentes, então o público começou a rir mais ainda. O fogo atingiu todo o circo com todas as pessoas dentro.




O escritor Leonardo Boff diz que, nas últimas décadas , os ecologistas foram tratados como palhaços.




Por enquanto, o fogo ainda está atingindo “as cortinas do circo” planetário. O que fazer?




O diagnóstico já temos. Os principais responsáveis já conhecemos. A luta entre os ecologistas e os ecocidas é muito desproporcional. Aqui reside o desafio para todos e todas. Especialmente para os filósofos e filósofas. A vitória temporária dos ecocidas está fundamentada na máquina de convencimentos da maioria das pessoas. Isto é, na imposição das ideias neoliberais, no estímulo ao individualismo e à prosperidade a qualquer custo e no estímulo ao consumismo.




Está muito difícil enfrentar este conjunto de ideias! Além do mais, estas ideias estão gerando um clima de niilismo negativo. Isto é, “vontade de nada”. Estão convencendo as pessoas de que não há solução para o problema e que a única alternativa é “aproveitar cada dia da sua vida”. Já dizia o filósofo Karl Marx: “As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante” (“A Ideologia Alemã”, de Marx e Engels - 1845). As ideias ecocidas são as ideias da elite econômica e que são impostas para as massas.




O que é preciso fazer para mudar este clima? Fazer a “batalha das ideias” e fazer a luta política! Segundo Paulo Freire: “A teoria sem prática é estéril e a prática sem teoria é ingênua”! Precisamos somar forças com os movimentos ecológicos. Temos vários movimentos na vanguarda teórica e prática da luta ecológica: o Movimento Ecossocialista, o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) entre vários outros. Mas precisamos tomar cuidado com o movimento “ecocapitalista”!




Em tempos de eleições municipais precisamos identificar quais são os candidatos a prefeito e a prefeita, a vereador e vereadora, que em sua trajetória de vida tem uma atuação em defesa do meio ambiente!




Sugestões de leitura:




1 - “O que é Ecossocialismo?”, de Michael Löwy, Editora Cortez.




2 - “Ecologia: Grito da Terra - Grito dos Pobres”, de Leonardo Boff, Editora Vozes.




3 - “Enfrentando o Antropoceno: capitalismo fóssil e a crise do sistema terrestre”, de Ian Angus, Editora Boitempo.