Carlos Marighella e o Mito de Sísifo
Por: Francisco José Nunes
O filme “Marighella”, de Wagner Moura, trouxe de volta a figura do revolucionário Carlos Marighella. O filme é uma adaptação do livro “Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo”, do jornalista Mário Magalhães, pela Editora Companhia das Letras (2012). O filme é centrado na última fase da vida de Marighella, com alguns flashbacks da sua infância. Carlos Marighella nasceu no dia 5 de dezembro de 1911.
A impressão final que o filme passa é: não queira enfrentar a classe dominante brasileira, do contrário você será morto pela repressão; se você tem valores humanitários e não se conforma com a exploração dos trabalhadores, com o racismo, com a homofobia, com o machismo, com a fome, a miséria, a injustiça social; se você deseja acabar com toda essa maldade e construir uma sociedade fraterna; desista!
Em que pese suas inúmeras qualidades, o filme apresenta um Marighella quase solitário, caminhando para o sacrifício. Sem mostrar a sua longa trajetória de lutas, no movimento estudantil, no Partido Comunista, no Parlamento como
Deputado Federal Constituinte, entre outras lutas. Da mesma forma como apresenta sua companheira Clara Charf de forma apagada e colocando as mulheres revolucionárias em segundo plano, em relação aos homens.
A história de Marighella nos faz lembrar do “Mito de Sísifo”, aquele camponês que foi condenado a rolar, diariamente, uma pedra até o alto de uma montanha. Quando chegava no topo, não conseguindo reter a pedra, ela rolava até a base da montanha e ele era obrigado a reiniciar o trabalho no dia seguinte. Esse mito costuma ser utilizado para refletir sobre a maldição do mundo do trabalho explorado e também à reflexão sobre o sentido da vida, na perspectiva da filosofia existencialista. Especialmente com o filósofo e escritor Albert Camus.
Neste caso, a semelhança encontra-se no círculo vicioso da política brasileira, através da sua alternância entre períodos autoritários e períodos de redemocratização.
A trajetória de Marighella é semelhante à de inúmeros lutadores e lutadoras do Brasil e da América Latina. Se a opção pelas mudanças sociais não pode ser pela luta revolucionária, a outra opção será pelo voto. Mas a democracia burguesa só funciona até a página dois. Depois de perder três ou quatro eleições seguidas, a classe dominante brasileira dá um golpe e impõe inúmeros retrocessos. Retirando direitos trabalhistas, desmontando o sistema de previdência social, o sistema de saúde pública, entregando de forma desavergonhada nossas riquezas naturais para as empresas estrangeiras, entre outras maldades. A questão que se coloca é: se não dá para fazer mudança pelo voto e nem pela luta revolucionária, que fazer?
Para compreendermos melhor a importância histórica de Marighella vamos recomendar um filme “Batismo de Sangue” e quatro documentários: 1) “Marighella” (2011), de Isa Grinspum Ferraz; 2) “Marighella, retrato falado do guerrilheiro” (2001), de Silvio Tendler; 3) “Carlos Marighella - quem samba fica, quem não samba vai embora” (2012), de Carlos Pronzato; 4) “Ato de Fé” (2004), de Alexandre Rampazzo e Tatiana Polastri. Esses ótimos documentários são baseados em depoimentos de militantes que atuaram ao lado de Marighella, na análise de historiadores e de pesquisadores contemporâneos sobre a vida e a obra de Marighella.
No documentário “Carlos Marighella - quem samba fica, quem não samba vai embora”, um dos militantes da organização política, liderada por Marighella, a Aliança Libertadora Nacional (ALN), o líder sindical dos ferroviários, Raphael Martinelli diz: “Nós, dirigentes comunistas, mentimos para a classe operária. Porque a gente dizia que qualquer reação da direita, que viesse a ocorrer, nós esmagaríamos. E, diante do Golpe [de 1964], nós não reagimos”. E para justificar a opção pela luta armada, o publicitário Manoel Cyrillo (ALN) afirma: “Os militares introduziram a arma na política. Eles tomaram de assalto o poder institucional, formalizado. A partir daquele momento você só conseguia fazer política com arma”. O professor de natação Rômulo Noronha (ALN) complementa: “Quem partiu para a ilegalidade foram os militares”. O jornalista, escritor e artista plástico Alípio Freire (Ala Vermelha), fez uma analogia com o nosso tempo. Isto é, o modelo político que estava sendo implementado antes do Golpe de 1964 era o chamado “Nacional Desenvolvimentismo”, um modelo tipicamente capitalista. Mas nem isso a burguesia brasileira admite. Qualquer semelhança com o Golpe de 2016 não é uma mera coincidência.
O documentário “Ato de Fé” trata exclusivamente da participação dos frades dominicanos no apoio à ALN, baseados na recém criada Teologia da Libertação. São entrevistados vários freis que foram presos e torturados, além do jornalista Franklin Martins e da historiadora Maria Aparecida de Aquino (USP). Na abertura, o documentário coloca uma seleção de frases dos frades dominicanos para provocar reflexão: “Todos nós cristãos somos, querendo ou não, discípulos de um prisioneiro político. Jesus não morreu nem de hepatite na cama, nem de desastre de camelo numa esquina de Jerusalém”; “É a primeira vez que, na história do Brasil, um grupo de cristãos é preso como cristãos”; “São pessoas que experimentaram aquilo que Jesus havia pedido: Bem-aventurados aqueles que têm sede de justiça”; “Nós tivemos uma atitude revolucionária motivada pela nossa fé”; “A verdadeira igreja é a que está nas catacumbas e eles formam homens das catacumbas”.
A Igreja Católica apoiou o Golpe de 1964 e depois passou a combater a ditadura, contribuindo com o processo de redemocratização. A Igreja Católica apoiou o Golpe de 2016 também. Será que em algum momento ela começará a combater esse governo fascista que está no poder?
Serviço:
Documentários:
1) “Marighella” (2011), 1h36min, de Isa Grinspum Ferraz.
https://www.youtube.com/watch?v=1cbe8G4G-_g&ab_channel=Andr%C3%A9HenriqueFigueiredo
2) “Marighella, retrato falado do guerrilheiro” (2001), 55min, de Silvio Tendler.
https://www.youtube.com/watch?v=4BP-OMjP08Q&ab_channel=CALIBANIcinemaeconte%C3%BAdo
3) “Carlos Marighella - quem samba fica, quem não samba vai embora” (2012), 1h38min, de Carlos Pronzato.
https://www.youtube.com/watch?v=KkFozCuVm1M&ab_channel=Rond%C3%B3daLiberdade
4) “Ato de Fé” (2004), 55min, de Alexandre Rampazzo e Tatiana Polastri.
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/130089
Filmes:
“Batismo de Sangue” (2006), 1h50min, de Helvécio Ratton.
https://www.youtube.com/watch?v=YuwY9vkkAYw&ab_channel=MegaHDFilmes
“Marighella” (2019), 2h35min, de Wagner Moura.
Plataforma: Globoplay
Autor:
Francisco José Nunes
P.S.: Este artigo foi publicado originalmente no site
"Construir Resistência", no dia 03 de dezembro de 2021.
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