domingo, 9 de junho de 2019

A maldição da longevidade

"A maldição da longevidade"
Francisco José Nunes

Ao longo do Século XX o Brasil, a cada década, comemorava o aumento da sua expectativa de vida. Ao iniciarmos o Século XXI, o aumento da expectativa de vida tornou-se uma maldição! Um grande problema para a sociedade! A ponto do Superministro da Economia Paulo Guedes declarar que: “Gastamos hoje mais com idosos do que com os nossos jovens” (Jornal Correio Brasiliense, 30/05/2019, Caderno de Economia).

Se observarmos a evolução da expectativa de vida da população brasileira ao longo do Século XX e início do Século XXI, veremos que as lutas dos movimentos populares resultaram nas melhorias das condições de vida do povo. A longevidade é fruto de vários fatores: melhorias no Sistema de Saúde; melhorias no Sistema Educacional; melhorias na vida urbana; entre outros.

Um panorama desta evolução pode ser constatado pelos seguintes números: em 1910, a expectativa de vida no Brasil era de 34 anos; em 1940, de 41,5; em 1950, de 45,5; em 1960, de 51,6; em 1970, de 53, 6; em 1980, de 62,5; em 1991, de 66,9; em 2000, de 70,4; em 2010, em 73,9.

Sabemos que a expectativa de vida tem inúmeras variações se considerarmos a região onde a pessoa mora, sua classe social e seu gênero. Por exemplo, de acordo com o Censo de 2010: a expectativa de vida média na região Nordeste era de 70,2 anos e na região Sul era de 75,9.

Na cidade de São Paulo os números são mais gritantes. Em 2018, um morador do bairro Jardim Paulista tem a expectativa de vida de 81,58. Enquanto que um morador do bairro Cidade Tiradentes tem a expectativa de vida de apenas 58,45. A média da expectativa de vida na cidade de São Paulo é de 70,56. Esses dados estão no “Mapa da Desigualdade – São Paulo – 2018”.

A aventura da existência impõe ao ser humano inúmeros conflitos. Neste caso, a questão é: “Vale a pena desejar a longevidade”?

Poderíamos recorrer a vários filósofos e filósofas para ajudar-nos a refletir sobre esta questão. Mas para o momento vamos recorrer a apenas um, o filósofo grego Epicuro, do Século III a.C.


Busto do filósofo Epicuro - Museu Antigo de Berlim (Altes Museum)
Crédito da foto: Francisco José Nunes (novembro/2017)


Em sua famosa “Carta da Felicidade”, escrita para o discípulo Meneceu, ele inicia da seguinte maneira: “Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer por meio da grata recordação das coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcança-la”.

Essa carta de Epicuro é maravilhosa! Merece um outro momento para a reflexão dela toda.

Para o presente momento cabe ressaltar que Epicuro viveu durante o período do Helenismo, isto é, do Império da Macedônia, com suas conquistas iniciadas por Alexandre, o Grande. Ao dominar a Grécia, acabou a Democracia e todas as suas conquistas foram fortemente prejudicadas: a Filosofia, a Educação, as Ciências, as Artes, o Comércio, a Urbanização etc.

O filósofo Epicuro produziu uma filosofia em respostas a este estado de coisas. E colocou em prática os seus ensinamentos. Ele criou uma comunidade na periferia de Atenas e lá vivenciou a sua filosofia. Que pode ser assim resumida: 1º) devemos viver em comunidade (não necessariamente no mesmo local, mas ter um local como referência); 2º) devemos estudar filosofia individualmente e em grupos; 3º) devemos evitar o consumismo imposto pelo império e buscarmos uma vida saudável; 4º) devemos cultivar as amizades; 5º) devemos sempre buscar os prazeres elevados: estudar filosofia e evitar tomar as refeições sozinho; entre outros prazeres.

É incrível a atualidade da filosofia epicurista!

Epicuro morreu no ano 270 a.C., com a idade de 72 anos.

Que Epicuro nos inspire e nos ilumine nestes tempos obscuros que estamos vivendo!


Bibliografia:

EPICURO. Carta da Felicidade. Edição bilíngue: Grego/Português. Tradução e apresentação de: Álvaro Lorencini e Enzo Del Carratore. São Paulo: Editora Unesp, 2002.
SIMÕES, Celso Cardoso da Silva. Relações entre as alterações históricas na dinâmica demográfica brasileira e os impactos decorrentes do processo de envelhecimento da população. Rio de Janeiro: IBGE, 2016.

Jornal Correio Brasiliense - 30/05/2019 - Caderno de Economia.