"A maldição da longevidade"
Francisco José Nunes
Ao longo do Século XX o
Brasil, a cada década, comemorava o aumento da sua expectativa de vida. Ao
iniciarmos o Século XXI, o aumento da expectativa de vida tornou-se uma
maldição! Um grande problema para a sociedade! A ponto do Superministro da
Economia Paulo Guedes declarar que: “Gastamos hoje mais com idosos do que com
os nossos jovens” (Jornal Correio Brasiliense, 30/05/2019, Caderno de
Economia).
Se observarmos a evolução
da expectativa de vida da população brasileira ao longo do Século XX e início
do Século XXI, veremos que as lutas dos movimentos populares resultaram nas
melhorias das condições de vida do povo. A longevidade é fruto de vários
fatores: melhorias no Sistema de Saúde; melhorias no Sistema Educacional;
melhorias na vida urbana; entre outros.
Um panorama desta
evolução pode ser constatado pelos seguintes números: em 1910, a expectativa de
vida no Brasil era de 34 anos; em 1940, de 41,5; em 1950, de 45,5; em 1960, de
51,6; em 1970, de 53, 6; em 1980, de 62,5; em 1991, de 66,9; em 2000, de 70,4;
em 2010, em 73,9.
Sabemos que a expectativa
de vida tem inúmeras variações se considerarmos a região onde a pessoa mora,
sua classe social e seu gênero. Por exemplo, de acordo com o Censo de 2010: a
expectativa de vida média na região Nordeste era de 70,2 anos e na região Sul
era de 75,9.
Na cidade de São Paulo os
números são mais gritantes. Em 2018, um morador do bairro Jardim Paulista tem a
expectativa de vida de 81,58. Enquanto que um morador do bairro Cidade
Tiradentes tem a expectativa de vida de apenas 58,45. A média da expectativa de
vida na cidade de São Paulo é de 70,56. Esses dados estão no “Mapa da
Desigualdade – São Paulo – 2018”.
A aventura da existência
impõe ao ser humano inúmeros conflitos. Neste caso, a questão é: “Vale a pena
desejar a longevidade”?
Poderíamos recorrer a
vários filósofos e filósofas para ajudar-nos a refletir sobre esta questão. Mas
para o momento vamos recorrer a apenas um, o filósofo grego Epicuro, do Século
III a.C.
Busto do filósofo Epicuro - Museu Antigo de Berlim (Altes Museum)
Crédito da foto: Francisco José Nunes (novembro/2017)
Em sua famosa “Carta da Felicidade”, escrita para o discípulo Meneceu,
ele inicia da seguinte maneira: “Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia
enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais
é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem
afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já
passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser
feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem
está envelhecendo sentir-se rejuvenescer por meio da grata recordação das
coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das
coisas que estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem
a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo
fazemos para alcança-la”.
Essa carta de Epicuro é
maravilhosa! Merece um outro momento para a reflexão dela toda.
Para o presente momento
cabe ressaltar que Epicuro viveu durante o período do Helenismo, isto é, do
Império da Macedônia, com suas conquistas iniciadas por Alexandre, o Grande. Ao
dominar a Grécia, acabou a Democracia e todas as suas conquistas foram
fortemente prejudicadas: a Filosofia, a Educação, as Ciências, as Artes, o Comércio,
a Urbanização etc.
O filósofo Epicuro produziu
uma filosofia em respostas a este estado de coisas. E colocou em prática os
seus ensinamentos. Ele criou uma comunidade na periferia de Atenas e lá
vivenciou a sua filosofia. Que pode ser assim resumida: 1º) devemos viver em
comunidade (não necessariamente no mesmo local, mas ter um local como
referência); 2º) devemos estudar filosofia individualmente e em grupos; 3º)
devemos evitar o consumismo imposto pelo império e buscarmos uma vida saudável;
4º) devemos cultivar as amizades; 5º) devemos sempre buscar os prazeres
elevados: estudar filosofia e evitar tomar as refeições sozinho; entre outros
prazeres.
É incrível a atualidade
da filosofia epicurista!
Epicuro morreu no ano 270
a.C., com a idade de 72 anos.
Que Epicuro nos inspire e
nos ilumine nestes tempos obscuros que estamos vivendo!
Bibliografia:
EPICURO. Carta da Felicidade. Edição bilíngue: Grego/Português. Tradução e apresentação de: Álvaro Lorencini e Enzo Del Carratore. São Paulo: Editora Unesp, 2002.
SIMÕES, Celso Cardoso da Silva. Relações entre as alterações históricas na dinâmica demográfica brasileira e os impactos decorrentes do processo de envelhecimento da população. Rio de Janeiro: IBGE, 2016.
Jornal Correio Brasiliense - 30/05/2019 - Caderno de Economia.