segunda-feira, 18 de abril de 2022

Uma trégua de Natal no meio da guerra

 

Filme: "Feliz Natal" - Foto: Divulgação

Uma trégua de Natal no meio da guerra


Por: Francisco José Nunes



Alguém poderia imaginar que durante uma guerra os dois exércitos oponentes fariam uma trégua para celebrar o Natal? Pois é, isso aconteceu! Tem um filme que recuperou este acontecimento histórico.


O filme “Feliz Natal” (2005) é uma ficção baseada em fatos reais. Trata-se de um episódio importante ocorrido durante o Dia de Natal de 1914. O cenário é a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), nas trincheiras entre a Alemanha e a Bélgica. Logo após o início da guerra, havia uma hipótese de encerramento, dessa mesma guerra, antes do Natal de 1914. Neste período ocorreu uma “guerra de trincheiras”, porque nenhum dos lados conseguia avançar. De modo geral, as trincheiras inimigas ficavam com uma distância de 100 metros. Isso permitia metralhar inúmeros soldados de ambos os lados, mas também possibilitava fazer provocações verbais devido à proximidade.


Em dezembro de 1914 ocorreu um inverno rigoroso, tornando mais difícil o deslocamento das tropas. No dia 24 de dezembro, as tropas de ambos os lados receberam árvores de natal, bebidas e alimentos. Um dos lados começou a entoar hinos de natal, sendo prontamente seguido de hinos natalinos do outro lado. Um dos soldados do lado alemão era o tenor Nikolaus Sprink, que estava com sua esposa, a soprano Anna Sörensen e começaram a cantar as músicas “Noite Feliz” e “Adeste Fideles”. Em seguida, espontaneamente, foi decretada uma trégua e começou a confraternização entre as tropas inimigas. Trocaram presentes, mostraram as fotos de suas esposas e namoradas, falaram o que conheciam sobre os países e suas cidades, especialmente Paris.


Neste clima, um padre anglicano, que atuava como enfermeiro, celebrou uma emocionante missa, embalada pela soprano que cantou “Ave Maria”. Os soldados ainda aproveitaram a trégua para jogar futebol. Também realizaram o enterro dos soldados mortos e no dia seguinte a guerra continuou. Entretanto, os soldados e o padre sofreram severas punições. A tropa alemã foi enviada para os campos de batalha contra a Rússia e o padre recebeu ordens diretas de um bispo anglicano para retornar para a Escócia. 


O diálogo entre o padre e o bispo é revelador sobre o uso perverso que é feito da mensagem de Jesus. Ao ser advertido pelo bispo sobre a missa que celebrou junto com as tropas inimigas, o padre disse: “Foi a missa mais importante da minha vida”. Em seguida o bispo vai celebrar uma missa para as tropas britânicas e inicia com o Evangelho de Mateus onde diz: “Não vim trazer a paz, mas a espada” (Mt 10, 34). E segue com sua pregação: “Vocês são os defensores da civilização. As forças do bem contra as forças do Mal. Essa guerra é na verdade uma Cruzada. Uma guerra santa para salvar a liberdade no mundo. Na verdade eu lhes digo: que os alemães não agem como nós e nem pensam como nós. Porque eles não são como nós, filhos de Deus”.


Não consta no filme, mas sabe-se que no dia 7 de dezembro de 1914, o Papa Bento XV fez um apelo a todos os líderes da Europa pela realização de uma trégua durante o Dia de Natal. Ele disse: “Que as armas possam cair no silêncio pelo menos na noite em que os anjos cantam”. Mas os chefes de Estado não deram ouvidos ao Papa. Entretanto, os subalternos realizaram “A Trégua de Natal”.


A Primeira Guerra Mundial causou um grande impacto no Brasil e na América Latina. Atingindo a economia, a política, a cultura, as relações internacionais e as práticas religiosas. Depois da triste associação entre a cruz e a espada durante os primeiros séculos de colonização do Brasil, agora a Europa que se impunha como modelo de sociedade para o mundo, fracassou enquanto “civilização ocidental cristã”. 


Será que em meio a essa “guerra híbrida” que estamos vivendo no Brasil desde 2013, teremos uma trégua neste Natal de 2021? Qual será o comportamento dos líderes das igrejas cristãs? Continuarão apoiando publicamente ou silenciosamente esse governo genocida? Quantas crianças morrerão por falta de vacina? Será que o povo conseguirá realizar uma confraternização, mesmo a contragosto dos poderosos?


É importante lembrar que após essa “Trégua de Natal” realizada em dezembro de 1914, os chefes militares proibiram qualquer outro tipo de confraternização nos campos de batalha. Inclusive, nos anos seguintes, no Dia de Natal, eles mandavam aumentar os bombardeios. Mesmo assim, ocorreram tentativas de confraternização durante a Páscoa e em outros momentos. Enquanto isso, no final de 1917, os comunistas conquistaram o poder na Rússia com o lema: “Paz, Terra e Pão”. Eles retiraram a Rússia da guerra, fizeram a Reforma Agrária e proporcionaram pão para os pobres.


Desde já, Feliz Natal queridos leitores e leitoras! Que tomemos fôlego, porque o ano de 2022 terá que ser um ano de luta acirrada contra o fascismo brasileiro. Foi durante a Primeira Guerra Mundial que Hitler começou a sua carreira, juntamente com vários oficiais alemães. 


É preciso estar atento e forte! Feliz 2022, com muitas lutas e muitas vitórias!



Serviço:

Filme: Feliz Natal (2005) - 116 min.

Direção: Christian Carion

Plataforma: HBO


Autor:

Francisco José Nunes

Mestre em Ciências Sociais - PUC-SP; Graduado em Filosofia;

Professor na Faculdade Paulista de Comunicação - FPAC.

P.S.: Este artigo foi publicado originalmente no site "Construir Resistência", no dia 23 de dezembro de 2021.


Carlos Marighella e o Mito de Sísifo

 

Filme: "Marighella" 
Foto: Divulgação (Globo Filmes)

Carlos Marighella e o Mito de Sísifo


Por: Francisco José Nunes



O filme “Marighella”, de Wagner Moura, trouxe de volta a figura do revolucionário Carlos Marighella. O filme é uma adaptação do livro “Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo”, do jornalista Mário Magalhães, pela Editora Companhia das Letras (2012). O filme é centrado na última fase da vida de Marighella, com alguns flashbacks da sua infância. Carlos Marighella nasceu no dia 5 de dezembro de 1911.


A impressão final que o filme passa é: não queira enfrentar a classe dominante brasileira, do contrário você será morto pela repressão; se você tem valores humanitários e não se conforma com a exploração dos trabalhadores, com o racismo, com a homofobia, com o machismo, com a fome, a miséria, a injustiça social; se você deseja acabar com toda essa maldade e construir uma sociedade fraterna; desista!


Em que pese suas inúmeras qualidades, o filme apresenta um Marighella quase solitário, caminhando para o sacrifício. Sem mostrar a sua longa trajetória de lutas, no movimento estudantil, no Partido Comunista, no Parlamento como
Deputado Federal Constituinte, entre outras lutas. Da mesma forma como apresenta sua companheira Clara Charf de forma apagada e colocando as mulheres revolucionárias em segundo plano, em relação aos homens.


A história de Marighella nos faz lembrar do “Mito de Sísifo”, aquele camponês que foi condenado a rolar, diariamente, uma pedra até o alto de uma montanha. Quando chegava no topo, não conseguindo reter a pedra, ela rolava até a base da montanha e ele era obrigado a reiniciar o trabalho no dia seguinte. Esse mito costuma ser utilizado para refletir sobre a maldição do mundo do trabalho explorado e também à reflexão sobre o sentido da vida, na perspectiva da filosofia existencialista. Especialmente com o filósofo e escritor Albert Camus.


Neste caso, a semelhança encontra-se no círculo vicioso da política brasileira, através da sua alternância entre períodos autoritários e períodos de redemocratização. 


A trajetória de Marighella é semelhante à de inúmeros lutadores e lutadoras do Brasil e da América Latina. Se a opção pelas mudanças sociais não pode ser pela luta revolucionária, a outra opção será pelo voto. Mas a democracia burguesa só funciona até a página dois. Depois de perder três ou quatro eleições seguidas, a classe dominante brasileira dá um golpe e impõe inúmeros retrocessos. Retirando direitos trabalhistas, desmontando o sistema de previdência social, o sistema de saúde pública, entregando de forma desavergonhada nossas riquezas naturais para as empresas estrangeiras, entre outras maldades. A questão que se coloca é: se não dá para fazer mudança pelo voto e nem pela luta revolucionária, que fazer?


Para compreendermos melhor a importância histórica de Marighella vamos recomendar um filme “Batismo de Sangue” e quatro documentários: 1) “Marighella” (2011), de Isa Grinspum Ferraz; 2) “Marighella, retrato falado do guerrilheiro” (2001), de Silvio Tendler; 3) “Carlos Marighella - quem samba fica, quem não samba vai embora” (2012), de Carlos Pronzato; 4) “Ato de Fé” (2004), de Alexandre Rampazzo e Tatiana Polastri. Esses ótimos documentários são baseados em depoimentos de militantes que atuaram ao lado de Marighella, na análise de historiadores e de pesquisadores contemporâneos sobre a vida e a obra de Marighella.


No documentário “Carlos Marighella - quem samba fica, quem não samba vai embora”, um dos militantes da organização política, liderada por Marighella, a Aliança Libertadora Nacional (ALN), o líder sindical dos ferroviários, Raphael Martinelli diz: “Nós, dirigentes comunistas, mentimos para a classe operária. Porque a gente dizia que qualquer reação da direita, que viesse a ocorrer, nós esmagaríamos. E, diante do Golpe [de 1964], nós não reagimos”. E para justificar a opção pela luta armada, o publicitário Manoel Cyrillo (ALN) afirma: “Os militares introduziram a arma na política. Eles tomaram de assalto o poder institucional, formalizado. A partir daquele momento você só conseguia fazer política com arma”. O professor de natação Rômulo Noronha (ALN) complementa: “Quem partiu para a ilegalidade foram os militares”. O jornalista, escritor e artista plástico Alípio Freire (Ala Vermelha), fez uma analogia com o nosso tempo. Isto é, o modelo político que estava sendo implementado antes do Golpe de 1964 era o chamado “Nacional Desenvolvimentismo”, um modelo tipicamente capitalista. Mas nem isso a burguesia brasileira admite. Qualquer semelhança com o Golpe de 2016 não é uma mera coincidência.


O documentário “Ato de Fé” trata exclusivamente da participação dos frades dominicanos no apoio à ALN, baseados na recém criada Teologia da Libertação. São entrevistados vários freis que foram presos e torturados, além do jornalista Franklin Martins e da historiadora Maria Aparecida de Aquino (USP). Na abertura, o documentário coloca uma seleção de frases dos frades dominicanos para provocar reflexão: “Todos nós cristãos somos, querendo ou não, discípulos de um prisioneiro político. Jesus não morreu nem de hepatite na cama, nem de desastre de camelo numa esquina de Jerusalém”; “É a primeira vez que, na história do Brasil, um grupo de cristãos é preso como cristãos”; “São pessoas que experimentaram aquilo que Jesus havia pedido: Bem-aventurados aqueles que têm sede de justiça”; “Nós tivemos uma atitude revolucionária motivada pela nossa fé”; “A verdadeira igreja é a que está nas catacumbas e eles formam homens das catacumbas”.


A Igreja Católica apoiou o Golpe de 1964 e depois passou a combater a ditadura, contribuindo com o processo de redemocratização. A Igreja Católica apoiou o Golpe de 2016 também. Será que em algum momento ela começará a combater esse governo fascista que está no poder?



Serviço:


Documentários:


1) “Marighella” (2011), 1h36min, de Isa Grinspum Ferraz.

https://www.youtube.com/watch?v=1cbe8G4G-_g&ab_channel=Andr%C3%A9HenriqueFigueiredo



2) “Marighella, retrato falado do guerrilheiro” (2001), 55min, de Silvio Tendler.

https://www.youtube.com/watch?v=4BP-OMjP08Q&ab_channel=CALIBANIcinemaeconte%C3%BAdo




3) “Carlos Marighella - quem samba fica, quem não samba vai embora” (2012), 1h38min, de Carlos Pronzato.

https://www.youtube.com/watch?v=KkFozCuVm1M&ab_channel=Rond%C3%B3daLiberdade



4) “Ato de Fé” (2004), 55min, de Alexandre Rampazzo e Tatiana Polastri.

https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/130089



Filmes:


  1. “Batismo de Sangue” (2006), 1h50min, de Helvécio Ratton.

https://www.youtube.com/watch?v=YuwY9vkkAYw&ab_channel=MegaHDFilmes


  1. “Marighella” (2019), 2h35min, de Wagner Moura.

Plataforma: Globoplay



Autor:

Francisco José Nunes

Mestre em Ciências Sociais - PUC-SP; Graduado em Filosofia;
Professor na Faculdade Paulista de Comunicação - FPAC.


P.S.: Este artigo foi publicado originalmente no site "Construir Resistência", no dia 03 de dezembro de 2021.

Crianças, pandemia e memórias

 

Capa do livro "Um, dois e já" (Editora Cosac Naify)

Crianças, pandemia e memórias


Por: Francisco José Nunes



O que ficará na memória das crianças sobre o período da pandemia do COVID-19? Apesar das adversidades, ficarão memórias de momentos felizes, prazerosos, intensos? Muitas mães e pais se desdobraram para contornar os problemas gerados pela pandemia. Buscaram garantir a rotina de alimentação, higiene, estudos e brincadeiras. Mas a reclusão pareceu ser um problema insuperável. A saudade das viagens bateu muito forte!


Neste período de pandemia, muitos adultos procuraram por livros e filmes, tanto para si próprios, quanto para as crianças.


Vamos indicar aqui um livro que provavelmente será dirigido tanto para os adultos, quanto para as crianças. Trata-se do livro: “Um, dois e já”, da escritora uruguaia Inés Bortagaray. É um romance autobiográfico, narrado na primeira pessoa, por uma menina, com a idade indefinida. Provavelmente, por volta de 9 anos. A narradora prende os leitores desde a primeira página. Seja pela singeleza, seja pela descrição das emoções, dos julgamentos e das brincadeiras de crianças, comum para a maioria das pessoas. 


O romance descreve uma viagem para a praia, da família da menina que narra o livro. Viajam da cidade de Salto, que fica na região noroeste do Uruguai, na fronteira com a cidade de Concórdia (Argentina) até a cidade litorânea La Paloma, numa distância de 702 km, dentro de um apertado carro Renault 12. No carro estão o pai, que é o motorista; a mãe, que fica ao lado e faz o “mate”; e no banco de trás ficam as quatro crianças. Não se sabe o nome dos pais, nem das crianças, nem suas idades. Apenas sabe-se que a menina-narradora é a filha do meio, que tem uma irmã mais velha, um irmão mais velho e uma irmã caçula. Isso faz com que os leitores se identifiquem com algum dos personagens. A longa viagem é um tédio. Então a narradora se recorda das brincadeiras e das experiências vividas.


Por tratar-se de uma longa viagem, há uma combinação sobre o acento nas janelas, isto é, a cada 200 km rodados é feita a troca. Ao longo das viagens as crianças brincam de contar os postes que passam, contar as vacas e as placas; “brincam de sério”; brincam de contar piadas, entre outras brincadeiras. “Vejo um poste que passa e vai embora até que vejo outro poste que passa e vai embora, mas nunca totalmente, porque na ida deixa um rastro. O rastro é o poste em movimento, o poste corrido, varrido, que continua numa fileira de postes-fantasmas de pé entre poste e poste verdadeiro”. Este é o primeiro parágrafo do livro.


Apesar da idade, a narração não é “infantilizada” e muito menos trata-se de um adulto disfarçado de criança. Essa é uma das preciosidades do livro. Parece que a família já fez esta viagem outras vezes, as crianças sempre recordam das paisagens. Além de brincar, a narradora dorme no ombro da irmã mais velha, tem sonhos e descreve os sonhos. Às vezes se lembra das amigas, especialmente daquela que ficou cuidando do seu aquário, com dois peixes. Lembra também das situações desagradáveis, como por exemplo, ela tem enjoo durante as viagens e sempre vomita, pelo menos uma vez no caminho. 


Muitos detalhes desta resenha não estão no livro. Os leitores são impulsionados a concluir ou a pesquisar. Por exemplo, a narradora faz referências à ditadura no Uruguai, que durou de 1973 até 1985; também fala sobre a “Guerra das Malvinas”, que foi de 2 de abril até 14 de junho de 1982. A autora do livro, Inés Bortagaray, nasceu na cidade de Salto, no dia 22 de maio de 1975. Sobre isso, a narradora diz: “Outro dia meus pais foram a uma manifestação pela democracia e Eva (amiga da narradora) estava comigo e fomos todos juntos e na praça pulamos ao som de quem não pula quer censura. A Eva pulava mais que eu e aplaudia e até se aproximou do palco para ficar mais perto dos políticos.”


O livro também é cheio de ironia. A menina assim descreve um de seus pensamentos durante a viagem: “Às vezes penso no dia seguinte à minha morte e no anúncio da margarina que unta, com aquelas dobrinhas perfeitas, a superfície da torrada perfeita e o ar matinal da família feliz no café da manhã com sol e janela e cortina e jornal e torrada e fumaça saindo do café e as unhas de todo mundo bem cortadas e limpinhas e tudo vai continuar funcionando como antes, e quando a mãe morde a torrada ao mesmo tempo que sorri e lança aquele olhar de que delícia essa margarina, meu Deus do céu, já posso morrer (isso é o que ele diz mentalmente, no ápice do entusiasmo, não é o que eu digo, apesar de estar justamente falando da minha eventual morte) (...). O livro tem apenas 93 páginas, mas contém uma riqueza enorme de detalhes, que os leitores saboreiam do início ao fim. 


Retomando a pergunta inicial da resenha. Que memória as crianças guardarão dessa pandemia? Sobre livros, filmes, brincadeiras; será que conseguiram visitar os avós após a vacinação? Ou os avós faleceram antes da chegada da vacina? O que as crianças aprenderam para poderem enfrentar uma “sociedade pandêmica”? Porque, pelo que tudo indica, a sociedade vai conviver constantemente com a pandemia do COVID-19 e de suas variantes; vai conviver com outras pandemias, porque o movimento negacionista cresceu muito e conta com o apoio da maior parte dos profissionais da saúde, com o apoio das instituições religiosas e da mídia.


Ainda bem que, diante de todas as adversidades, a literatura consegue acalentar nossos corações, sem nos deixar alienados!



Serviço


Livro: “Um, dois e já”

Autora: Inés Bortagaray

Ano: 2014

Páginas: 93

Editora: Cosac Naify


Nota: Apesar do fechamento dessa editora, é possível encontrar esse livro em bibliotecas, nos sebos e em algumas livrarias virtuais.



Autor:

Francisco José Nunes

Mestre em Ciências Sociais - PUC-SP; Graduado em Filosofia; Professor

na Faculdade Paulista de Comunicação - FPAC.

P.S.: Este artigo foi publicado originalmente no site "Construir Resistência", no dia 26 de novembro de 2021.


A casa e a cidade do imortal Fiódor Dostoiévski

Mesa de trabalho do escritor Dostoiévski, com um brinquedo de seus filhos.
Foto: Francisco José Nunes (São Petersburgo, novembro de 2017)

A casa e a cidade do imortal Fiódor Dostoiévski


Por: Francisco José Nunes



O grande escritor russo Fiódor Dostoiévski morou em mais de 20 endereços na cidade de São Petersburgo. Ele nasceu em Moscou no dia 11 de novembro de 1821 e morreu no dia 28 de janeiro de 1881. No apartamento em que viveu seus últimos anos de vida foi criado o “Museu Casa de Dostoiévski”. Ele morou nesse apartamento em dois momentos diferentes: em 1846, quando escreveu o livro “O Duplo”, no seu início de carreira como escritor. Depois ele retornou a este apartamento em outubro de 1878 e viveu até janeiro de 1881. Neste período ele escreveu o livro “Os Irmãos Karamázov” (1879-1880).


Por ocasião dos 150 anos de nascimento do escritor foi inaugurado este museu, no dia 12 de novembro de 1971. A parte interior do apartamento foi recriada de acordo com as memórias de sua esposa Anna Grigorievna (1846-1918) e das memórias de alguns contemporâneos do escritor. O apartamento conserva a estrutura original: a sala de brinquedos das crianças, o quarto da esposa, a sala de jantar, a sala de estar e o escritório de Dostoiévski. Em que pese o respeito por essas divisões, é possível encontrar brinquedos das crianças ao lado da mesa de trabalho do pai. Ele era muito apegado aos filhos. Também é possível ver o seu chapéu e o seu guarda-chuva.



Sabe-se que o escritor não gostava de receber muitas pessoas no apartamento, muito menos no seu escritório de trabalho. Apenas pessoas muito próximas tinham contato com aquele escritório de estilo austero. Ele tinha por hábito trabalhar entre as 23h e as 6h00 da manhã. Aproveitava o silêncio da noite para criar melhor e para produzir mais. Acordava tarde e gostava que o seu samovar estivesse sempre com água quente, para tomar chá, sua bebida predileta. Era no horário do jantar que toda a família estava reunida e podia conversar e brincar. Ele tinha o hábito de sempre ler para seus filhos e ler livros de diversos autores.


A mesa de trabalho do escritor foi recriada: tem a pena que ele usava para escrever suas obras e ao lado da mesa tem um relógio-calendário que está marcando o dia e horário de sua morte: 28 de janeiro, às 20h36 minutos.



No mesmo edifício foi realizada uma expansão do museu, tem uma ótima exposição multimídia (sobre a biografia e as obras do autor), em outra parte tem salas para exposições de arte e salas para conferências. Ainda no mesmo edifício tem o “Teatro Branco”, que apresenta as suas próprias performances e faz parcerias com outros teatros locais, nacionais e internacionais. Todo mês de novembro o museu hospeda uma conferência acadêmica internacional: “Dostoiévski e a cultura mundial”. Essas conferências são publicadas em formato de anais de congresso. No museu também tem uma lojinha para venda de souvenirs, livros, camisetas, canetas, canecas etc.


No decorrer dos anos, o acervo do museu aumentou muito. A biblioteca possui mais de 24.000 livros e uma coleção de manuscritos. Frequentemente recebe doação de livros de estudiosos da obra de Dostoiévski. O museu tem uma coleção de fotografias e outra de artes gráficas.


Desde o dia 30 de outubro de 2021 o museu está exigindo o comprovante de vacinação contra a COVID-19, com um código QR e um documento de identidade para que a pessoa seja autorizada a entrar.


O escritor gostava de São Petersburgo, dizia que era uma “cidade intensa e abstrata”. Alguns estudiosos dizem que a cidade de São Petersburgo também era um personagem nas obras de Dostoiévski. Ele gostava de morar em apartamentos angulares, com varanda e com visão para uma igreja. O apartamento onde está o museu tem vista para a Catedral Vladimirsky, a rua ao lado do edifício tem o nome do escritor e o nome de uma das estações de metrô na região é "Dostoievskaia".



Serviço


Museu Casa de Dostoiévski

Cidade: São Petersburgo - Rússia

Rua: Kuznechny Pereulok 5/2

Metrô: Vladimirskaya

Horário de funcionamento:

Terças, quintas, sextas, sábados e domingos: das 11h00 às 18h00.

Quartas-feiras: das 13h00 às 20h00.

A bilheteria fecha 30 minutos antes do fechamento do museu.

Segundas-feiras: fechado

Ingresso: 250 rublos (cerca de R$19,00); estudantes pagam 100 rublos.


Autor:

Francisco José Nunes

Mestre em Ciências Sociais - PUC-SP; Graduado em Filosofia; Professor na Faculdade Paulista de Comunicação - FPAC.

P.S.: Este artigo foi publicado originalmente no site "Construir Resistência", no dia 19 de novembro de 2021.


Este artigo foi republicado pelo site "Bemblogado", no dia 20 de novembro de 2021.


"Crime e Castigo", clássico da literatura no cinema russo

 

Filme: "Crime e Castigo" (1970)

“Crime e Castigo”, clássico da literatura no cinema russo


Por: Francisco José Nunes



O filme “Crime e Castigo” (1970), do diretor russo Lev Kulidzhanov é considerado a melhor adaptação, para o cinema, do livro “Crime e Castigo”(1866), do escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881).


O romance conta a história de um jovem chamado Rodion Romanovich Raskolnikov, de família pobre, que abandonou o curso de Direito e vive em São Petersburgo (capital da Rússia). A história gira em torno de um crime gravíssimo cometido pelo jovem Raskolnikov. Ele assassinou duas senhoras idosas, que eram irmãs. Uma delas é a Aliona Ivanovna, uma usurária (agiota), ranzinza e má. A outra é a Lisavieta, uma pessoa bondosa, inocente e caridosa.


A trama aborda os dilemas de Raskolnikov ao conviver com aquele crime, temendo ser descoberto e tendo pesadelos constantes. A genialidade de Dostoiévski faz um mescla entre os sofrimentos psicológicos vivenciados pelo assassino, com os sofrimentos sociais e econômicos, vivenciados por grande parte dos personagens. São pessoas que vivem em lugares insalubres, jovens prostituídas, pessoas famintas, desempregadas e alcoólatras. 


É importante lembrar que o escritor Dostoiévski foi condenado à morte por ter participado de um movimento que lutava pelo fim do “czarismo” e pelo fim da servidão na Rússia, teve a sua pena comutada para cumprir prisão na Sibéria. Ao todo, entre o período no presídio e no cumprimento de trabalho como soldado raso, ele ficou dez anos na Sibéria. Depois recebeu anistia e paulatinamente foi se reintegrando à sociedade russa e aos círculos intelectuais; entretanto, continuou sob censura e vigiado pela polícia secreta do “Czar”. Esse contexto político possibilita compreender as suas obras e o seu posicionamento, que era conservador. Impossibilitado de expressar abertamente suas ideias, manifestou-as de forma muito sofisticada, descrevendo as consequências de um regime autocrático.


O filme foi produzido pelo importante diretor russo Lev Kulidzhanov (1924-2002), que além de diretor de cinema, foi roteirista, professor no Instituto Gerasimov de Cinematografia, foi presidente do Sindicato dos Cinematógrafos de URSS (1965-1986), dirigiu doze filmes (entre 1954 e 1994) e recebeu diversos prêmios.


O filme foi rodado em São Petersburgo, com uma cuidadosa ambientação de época, um ótimo elenco, filmado em preto e branco, explorando muito bem os contraste de claro e escuro, combinando com os dilemas psicológicos do protagonista; as inúmeras cenas realizadas nos minúsculos apartamentos passam uma sensação de claustrofobia, o protagonista vaga pelas ruas e canais de São Petersburgo (conhecida como a “Veneza do Norte”), o filme tem uma ótima fotografia e uma ótima direção de arte. No elenco, o ator Georgy Taratorkin desempenha de maneira convincente o papel de Raskolnikov; a atriz Tatyana Bedova faz o ótimo papel de Sonya Marmeladova (a garota prostituída); Victoria Fyodorova faz o papel de Avdotya Romanovna (a irmã de Raskolnikov); entre outros ótimos atores e atrizes.


Por curiosidade, a palavra “Raskolnik” significa: cindido, cisão, cisma, atormentado. Portanto, o sobrenome Raskolnikov expressa muito bem a personalidade do protagonista. Outra curiosidade é que o filme está disponível gratuitamente no Youtube!


Neste mês de comemoração do “Bicentenário do Nascimento de Dostoiévski”, esse filme pode proporcionar um mergulho na obra do grande escritor russo e na cidade de São Petersburgo. Fiódor Dostoiévski nasceu no dia 11 de novembro de 1821.



Serviço

Filme: “Crime e Castigo”

Direção: Lev Kulidzhanov

Ano: 1970

Duração: 221 minutos (está dividido em duas partes)

Plataforma: Youtube (gratuito) 

Parte 1

https://www.youtube.com/watch?v=dHvOnIXuQDQ&ab_channel=Emil


Parte 2

https://www.youtube.com/watch?v=CxoDv7MFu3A&ab_channel=Emil



Autor:

Francisco José Nunes

Mestre em Ciências Sociais - PUC-SP; Graduado em Filosofia; Professor na Faculdade Paulista de Comunicação - FPAC.


P.S.: Este artigo foi publicado originalmente no site "Construir Resistência", no dia 06 de novembro de 2021.

Viva o Saci e o Raloim Brasileiro

 

Saci - Desenho de José Luiz Ohi

Viva o Saci e o Raloim Brasileiro


Por: Francisco José Nunes



Em tempos de neocolonização do Brasil é muito importante realizar a comemoração do “Dia do Saci”, no dia 31 de outubro. Não se trata de fazer uma oposição à festa das bruxas. Afinal, as bruxas são mulheres independentes que sempre foram perseguidas e, muitas delas, assassinadas pelo patriarcado.


A Festa do Saci é uma manifestação da cultura brasileira. O Saci é um símbolo da resistência popular. No passado ele foi um duende da mitologia do Povo Guarani, o Yaci. Com a chegada dos africanos escravizados no Brasil, o Saci ficou negro. Conta-se que o Saci foi aprisionado e acorrentado em uma das pernas, ficando diante de um dilema: permanecer com as duas pernas, mas continuar escravizado ou amputar uma das pernas e conquistar a liberdade. Ele escolheu a segunda opção e tornou-se um símbolo para as lutas de libertação de todos os povos: negros, indígenas, camponeses etc.


O “Manifesto do Saci” orienta a nossa luta:


“Um espectro ronda a indústria da cultura. Como já ocorrera durante a Primeira Guerra Mundial - quando os chamados ‘povos civilizados’ se matavam entre si nos campos da Europa, como lembra Monteiro Lobato em seu Inquérito, escrito em 1917 -, o espectro do Saci voltou para dar nó na crina das potências que invadem os outros países com uma ‘indústria cultural’ predadora e orquestrada.

O Saci é reconhecido como uma força de resistência cultural a essa invasão. Na figura simpática e travessa do insigne perneta, esbarram hoje, impotentes, os x-men, os pokémon, os raloins e os jogos de guerra, como esbarravam ontem patos assexuados e ratos com orelhas de canguru.” (Manifesto do Saci. São Luiz do Paraitinga, 31 de outubro de 2003)


Neste momento em que o Brasil passa por um forte processo de neocolonização: entregando quase todas as suas riquezas naturais para as empresas estrangeiras e para vários brasileiros que levam seus lucros para “esconderijos fiscais” (offshores); reprimarizando sua economia (minérios, soja, carne, laranja); saindo dos fóruns de relações internacionais multilaterais; reduzindo drasticamente os investimentos em educação, ciência e tecnologia; submetendo-se aos ditames do “irmão do norte”. Valorizar, portanto, a mitologia do Saci, que está presente em todas as regiões do Brasil, é fundamental para a luta contra o neofascismo e a luta “por uma terra sem males”.


Também no dia 31 de outubro de 2003 foi publicado o “Manifesto Antropófago Revisitado”:


“Só o saci nos une. Sacialmente. Etnicamente. Culturalmente. No ano 449 da deglutição do Bispo Sardinha em Piratininga, e 75 anos após o lançamento do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, os saciólogos desta terra vão, aos pulos, convergindo em torno da única lei justa do mundo globalizado. O Saci resgata nossa identidade, nossas raízes, o xis da questão Tupi. Contra todas as catequeses do Império só nos interessa o que não é deles. A lei do Saci.

Estamos fatigados de todos os colonialismos travestidos de drama roliudiano. O cinema americano devorando corações e mentes. Demente. No país onde dá status ter casa em Maiami e comprar em sales com 20% off. Estacionar no valet parking e pedir comida delivery.”


É tempo de construir resistência!


“Sacis de todo o Brasil, unamo-nos”!


Segue a sugestão do ótimo documentário “Somos todos Sacys” e o sítio da “Sociedade dos Observadores de Saci”.


Viva o Saci e todos os seus companheiros e companheiras: Boitatá, Iara, Curupira, Mapinguari!


Serviço:


Documentário: “Somos todos Sacys” (2005) - 55 minutos

Direção: Sylvio Rocha e Rudá Andrade

https://www.youtube.com/watch?v=_sSEas8eWyE&t=4s&ab_channel=OcupaSacy


Sítio da “Sociedade dos Observadores de Saci” - SOSACI

https://www.sosaci.org.br/



Autor:

Francisco José Nunes

Mestre em Ciências Sociais - PUC-SP; Graduado em Filosofia; Professor na Faculdade Paulista de Comunicação - FPAC.


P.S.: Este artigo foi publicado originalmente no site "Construir Resistência", no dia 29 de outubro de 2021.


Este artigo foi republicado pelo site "Bemblogado", no dia 31 de outubro de 2021.


Colômbia, campeã em assassinato de defensores dos direitos humanos

 

Filme "A ausência que seremos" 
Foto: Divulgação (Netflix)

Colômbia, campeã em assassinato de defensores dos Direitos Humanos


Por: Francisco José Nunes



O filme “A ausência que seremos” (“El olvido que seremos”), lançado no dia 22 de setembro de 2021, é uma demonstração de ternura sendo massacrada pela prepotência. Trata-se da história do médico sanitarista e professor universitário Héctor Abad Gómez (1921-1987), contada por seu filho, o escritor Héctor Abad Faciolince. 


É uma história contada a partir do olhar de uma criança, o futuro escritor Faciolince. O médico Héctor é casado com a sobrinha do Arcebispo de Medellín, Cecília Faciolince. O casal tem um filho e cinco filhas; formam uma típica família de classe média; e, tem uma freira conservadora que trabalha como preceptora para a família.


O Dr. Héctor Abad Gómez é também um político liberal, filiado a um partido político de centro, mas tem algumas posições progressistas. Na condição de médico sanitarista, defende nas suas aulas, em seus artigos para a imprensa e em suas visitas aos bairros marginalizados, melhorias no saneamento básico na cidade de Medellín. 


Entretanto, defender os direitos humanos na Colômbia “é coisa de comunista”! Então, o Dr. Héctor foi afastado de suas aulas na universidade e obrigado a trabalhar fora da Colômbia. Ao retornar, candidatou-se a prefeito de Medellín, mas em seguida foi assassinado.


Toda essa história foi contada por seu filho. A narrativa coloca em evidência o contraste entre os gestos de ternura no ambiente familiar, com destaque para a relação entre pai e filho, mas cercado por uma sociedade violenta e extremamente injusta, social e economicamente.


O diretor do filme, Fernando Trueba, adota um recurso interessante: filma a época antiga em cores, para caracterizar um tempo feliz e filma em preto e branco o tempo mais contemporâneo, para reforçar os momentos trágicos.


Assistir a esse filme nos coloca diante da tragédia atual vivida pela Colômbia. Em 2020, foram registrados o assassinato de 199 defensores dos Direitos Humanos. Entre meados de 2016, quando foi assinado o “Acordo de Paz” na Colômbia até a metade de 2019, foram assassinados 324 defensores dos Direitos Humanos. 


Dentre as pessoas assassinadas, em sua maioria são: lideranças comunitárias, lideranças indígenas e negras, lideranças camponesas e defensores do meio ambiente. De acordo com dados coletados pela ONU, a Colômbia é o país latino-americano que mais assassina defensores de Direitos Humanos e está entre os países em que as liberdades individuais estão mais ameaçadas. A Colômbia é um país apresentado, pelos EUA, como um modelo para a América Latina! O uso da política de “Guerra às Drogas” financia os grupos paramilitares, principais responsáveis pelos assassinatos. Cerca de 95% dos assassinatos não são investigados e nem levados a julgamento. A presença militar dos EUA na Colômbia é ostensiva e a presença de grupos mercenários que trabalham para os EUA em várias regiões em conflito (Afeganistão, Iraque, Síria, Líbia), agora estão mais presentes na Colômbia. Recentemente um desses grupos assassinou o presidente do Haiti.


O título original do filme, “El olvido que seremos”, colocou uma certa dificuldade para a tradução em português, já que o verbo “olvidar” significa esquecer. O título é inspirado no poema “Epitáfio”, do poeta argentino Jorge Luis Borges: “Já somos o esquecimento que seremos”. Esse título desvela a “máquina de morte” instalada na Colômbia, que pretende com os assassinatos de lideranças populares, silenciar as vozes dos seus lutadores e lutadoras. Aqui vamos encontrar uma rica discussão sobre memória, esquecimento, apagamento e preservação da história daqueles e daquelas que lutaram em defesa dos Direitos Humanos na América Latina. 



Serviço


Filme: “A ausência que seremos” (2021) - 2h16min.

Direção: Fernando Trueba

País: Colômbia

Plataforma: Netflix


Autor:

Francisco José Nunes

Mestre em Ciências Sociais - PUC-SP; Graduado em Filosofia; Professor na Faculdade Paulista de Comunicação - FPAC.


P.S.: Este artigo foi publicado originalmente no site "Construir Resistência", no dia 22 de outubro de 2021.