Colômbia, campeã em assassinato de defensores dos Direitos Humanos
Por: Francisco José Nunes
O filme “A ausência que seremos” (“El olvido que seremos”), lançado no dia 22 de setembro de 2021, é uma demonstração de ternura sendo massacrada pela prepotência. Trata-se da história do médico sanitarista e professor universitário Héctor Abad Gómez (1921-1987), contada por seu filho, o escritor Héctor Abad Faciolince.
É uma história contada a partir do olhar de uma criança, o futuro escritor Faciolince. O médico Héctor é casado com a sobrinha do Arcebispo de Medellín, Cecília Faciolince. O casal tem um filho e cinco filhas; formam uma típica família de classe média; e, tem uma freira conservadora que trabalha como preceptora para a família.
O Dr. Héctor Abad Gómez é também um político liberal, filiado a um partido político de centro, mas tem algumas posições progressistas. Na condição de médico sanitarista, defende nas suas aulas, em seus artigos para a imprensa e em suas visitas aos bairros marginalizados, melhorias no saneamento básico na cidade de Medellín.
Entretanto, defender os direitos humanos na Colômbia “é coisa de comunista”! Então, o Dr. Héctor foi afastado de suas aulas na universidade e obrigado a trabalhar fora da Colômbia. Ao retornar, candidatou-se a prefeito de Medellín, mas em seguida foi assassinado.
Toda essa história foi contada por seu filho. A narrativa coloca em evidência o contraste entre os gestos de ternura no ambiente familiar, com destaque para a relação entre pai e filho, mas cercado por uma sociedade violenta e extremamente injusta, social e economicamente.
O diretor do filme, Fernando Trueba, adota um recurso interessante: filma a época antiga em cores, para caracterizar um tempo feliz e filma em preto e branco o tempo mais contemporâneo, para reforçar os momentos trágicos.
Assistir a esse filme nos coloca diante da tragédia atual vivida pela Colômbia. Em 2020, foram registrados o assassinato de 199 defensores dos Direitos Humanos. Entre meados de 2016, quando foi assinado o “Acordo de Paz” na Colômbia até a metade de 2019, foram assassinados 324 defensores dos Direitos Humanos.
Dentre as pessoas assassinadas, em sua maioria são: lideranças comunitárias, lideranças indígenas e negras, lideranças camponesas e defensores do meio ambiente. De acordo com dados coletados pela ONU, a Colômbia é o país latino-americano que mais assassina defensores de Direitos Humanos e está entre os países em que as liberdades individuais estão mais ameaçadas. A Colômbia é um país apresentado, pelos EUA, como um modelo para a América Latina! O uso da política de “Guerra às Drogas” financia os grupos paramilitares, principais responsáveis pelos assassinatos. Cerca de 95% dos assassinatos não são investigados e nem levados a julgamento. A presença militar dos EUA na Colômbia é ostensiva e a presença de grupos mercenários que trabalham para os EUA em várias regiões em conflito (Afeganistão, Iraque, Síria, Líbia), agora estão mais presentes na Colômbia. Recentemente um desses grupos assassinou o presidente do Haiti.
O título original do filme, “El olvido que seremos”, colocou uma certa dificuldade para a tradução em português, já que o verbo “olvidar” significa esquecer. O título é inspirado no poema “Epitáfio”, do poeta argentino Jorge Luis Borges: “Já somos o esquecimento que seremos”. Esse título desvela a “máquina de morte” instalada na Colômbia, que pretende com os assassinatos de lideranças populares, silenciar as vozes dos seus lutadores e lutadoras. Aqui vamos encontrar uma rica discussão sobre memória, esquecimento, apagamento e preservação da história daqueles e daquelas que lutaram em defesa dos Direitos Humanos na América Latina.
Serviço
Filme: “A ausência que seremos” (2021) - 2h16min.
Direção: Fernando Trueba
País: Colômbia
Plataforma: Netflix
Autor:
Francisco José Nunes
P.S.: Este artigo foi publicado originalmente no site
"Construir Resistência", no dia 22 de outubro de 2021.
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