terça-feira, 12 de abril de 2022

Hoje é sexta-feira de manhã

 

Volta Grande do Xingu (PA)
Foto: Jornal Brasil de Fato - 22/02/2022

“Hoje é sexta-feira de manhã”


Por: Francisco José Nunes




Considerando que iremos superar esta fase obscurantista, fascista, genocida. Precisaremos traçar o caminho dessa superação e montar nossa trilha musical para essa jornada!


Considerando que fascista odeia: poesia, música, artes e cultura. Considerando também que fascista odeia a natureza e a preservação do meio ambiente. Uma ótima música que devemos incluir em nossa trilha sonora é: “Borzeguim” (1981), uma das mais belas canções de Tom Jobim.


É fruto do mato

Borzeguim, deixa as fraldas ao vento

E vem dançar

E vem dançar


Hoje é sexta-feira da manhã

Hoje é sexta-feira

Deixa o mato crescer em paz

Deixa o mato crescer

Deixa o mato


Não quero fogo, quero água (Deixa o mato crescer em paz)

Não quero fogo, quero água (Deixa o mato crescer)


Hoje é sexta-feira da paixão, sexta-feira santa

Todo dia é dia de perdão

Todo dia é dia santo

Todo santo dia


Borzeguim é uma botina cujo cano se fecha com cordões. Nessa canção ela simboliza o caçador, o bandeirante, que chega para matar, devastar e explorar. Mas ele é convidado para dançar! Ele é alertado que, segundo a tradição popular, nas sextas-feiras é proibido caçar, porque é o dia da morte de Cristo. Para enfatizar, mais adiante a música diz que é “Sexta-feira Santa”!


O primeiro verso da canção remete à uma referência bíblica: “É fruto do mato”. Lembrando o Paraíso descrito no livro do Gênesis. Diante das ameaças e da devastação, o poeta oscila entre o “culto pagão à natureza” e a “descrição religiosa da natureza”. 


(...)

O jacu já tá velho na fruteira

O lagarto teiú tá na soleira

Uirassu foi rever a cordilheira

Gavião grande é bicho sem fronteira

Cutucurim (Cutucurim)

Gavião (Zão)

Gavião (Ão)

(...)

Deixa a onça viva na floresta

Deixa o peixe n’água que é uma festa

Deixa o índio vivo

Deixa o índio

Deixa (Deixa)


Dizem que o sertão vai virar mar (Dizem que o mar vai virar sertão)

Deixa o índio

Dizem que o mar vai virar sertão (Diz que o sertão vai virar mar)

Deixa o índio

Deixa, deixa


Outra relação que a canção coloca é entre a mata e a cidade. “O jacu já tá velho na fruteira”, de casa. Jacu é uma ave galiforme, semelhante a galinha, peru e faisão, que se alimenta de frutas. Da mesma forma é “o lagarto teiú tá na soleira”, da casa.


Por fim, a canção implora: “Deixa a onça viva na floresta / Deixa o peixe n’água que é uma festa / Deixa o índio vivo / Deixa o índio / Deixa (Deixa)”. A relação de Tom Jobim com a floresta é muito íntima, seja nas letras de suas canções, bem como na sua vida comprometida com a defesa do meio ambiente. E a sua defesa intransigente dos povos indígenas.


Lamentavelmente a “civilização cristã” quase acabou com a Mata Atlântica. Segundo a organização ambientalista WWF Brasil: “Hoje, restam apenas 7,3% da floresta original da Mata Atlântica, a quinta área mais ameaçada do planeta”. E a canção termina com a profecia de Antônio Conselheiro: 


“Dizem que o sertão vai virar mar / Dizem que o mar vai virar sertão”. Que a nova sociedade, que renascerá das cinzas da destruição que estamos vivendo, se inspire no projeto de Canudos, através da partilha do pão e da terra, de uma sociedade que tenha entre seus protagonistas os sertanejos, os negros e os indígenas.


Serviço:


“Borzeguim”


CD: “Amazônia, na trilha da floresta”

Interpretação: Mônica Salmaso e Mario Adnet

https://www.youtube.com/watch?v=Yra431cEAg0&ab_channel=marioadnetoficial


Gal Costa

https://www.youtube.com/watch?v=NJ_p88QGiHk&ab_channel=GalCosta-Topic


Tom Jobim - Ao Vivo em Montreal

https://www.youtube.com/watch?v=Dvt-LEl3Dn8&ab_channel=BiscoitoFino



Autor:

Francisco José Nunes

Mestre em Ciências Sociais - PUC-SP; Graduado em Filosofia; Professor

na Faculdade Paulista de Comunicação - FPAC.



P.S.: Este artigo foi publicado originalmente no site

"Construir Resistência", no dia 01 de outubro de 2021.


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