“Hoje é sexta-feira de manhã”
Por: Francisco José Nunes
Considerando que iremos superar esta fase obscurantista, fascista, genocida. Precisaremos traçar o caminho dessa superação e montar nossa trilha musical para essa jornada!
Considerando que fascista odeia: poesia, música, artes e cultura. Considerando também que fascista odeia a natureza e a preservação do meio ambiente. Uma ótima música que devemos incluir em nossa trilha sonora é: “Borzeguim” (1981), uma das mais belas canções de Tom Jobim.
É fruto do mato
Borzeguim, deixa as fraldas ao vento
E vem dançar
E vem dançar
Hoje é sexta-feira da manhã
Hoje é sexta-feira
Deixa o mato crescer em paz
Deixa o mato crescer
Deixa o mato
Não quero fogo, quero água (Deixa o mato crescer em paz)
Não quero fogo, quero água (Deixa o mato crescer)
Hoje é sexta-feira da paixão, sexta-feira santa
Todo dia é dia de perdão
Todo dia é dia santo
Todo santo dia
Borzeguim é uma botina cujo cano se fecha com cordões. Nessa canção ela simboliza o caçador, o bandeirante, que chega para matar, devastar e explorar. Mas ele é convidado para dançar! Ele é alertado que, segundo a tradição popular, nas sextas-feiras é proibido caçar, porque é o dia da morte de Cristo. Para enfatizar, mais adiante a música diz que é “Sexta-feira Santa”!
O primeiro verso da canção remete à uma referência bíblica: “É fruto do mato”. Lembrando o Paraíso descrito no livro do Gênesis. Diante das ameaças e da devastação, o poeta oscila entre o “culto pagão à natureza” e a “descrição religiosa da natureza”.
(...)
O jacu já tá velho na fruteira
O lagarto teiú tá na soleira
Uirassu foi rever a cordilheira
Gavião grande é bicho sem fronteira
Cutucurim (Cutucurim)
Gavião (Zão)
Gavião (Ão)
(...)
Deixa a onça viva na floresta
Deixa o peixe n’água que é uma festa
Deixa o índio vivo
Deixa o índio
Deixa (Deixa)
Dizem que o sertão vai virar mar (Dizem que o mar vai virar sertão)
Deixa o índio
Dizem que o mar vai virar sertão (Diz que o sertão vai virar mar)
Deixa o índio
Deixa, deixa
Outra relação que a canção coloca é entre a mata e a cidade. “O jacu já tá velho na fruteira”, de casa. Jacu é uma ave galiforme, semelhante a galinha, peru e faisão, que se alimenta de frutas. Da mesma forma é “o lagarto teiú tá na soleira”, da casa.
Por fim, a canção implora: “Deixa a onça viva na floresta / Deixa o peixe n’água que é uma festa / Deixa o índio vivo / Deixa o índio / Deixa (Deixa)”. A relação de Tom Jobim com a floresta é muito íntima, seja nas letras de suas canções, bem como na sua vida comprometida com a defesa do meio ambiente. E a sua defesa intransigente dos povos indígenas.
Lamentavelmente a “civilização cristã” quase acabou com a Mata Atlântica. Segundo a organização ambientalista WWF Brasil: “Hoje, restam apenas 7,3% da floresta original da Mata Atlântica, a quinta área mais ameaçada do planeta”. E a canção termina com a profecia de Antônio Conselheiro:
“Dizem que o sertão vai virar mar / Dizem que o mar vai virar sertão”. Que a nova sociedade, que renascerá das cinzas da destruição que estamos vivendo, se inspire no projeto de Canudos, através da partilha do pão e da terra, de uma sociedade que tenha entre seus protagonistas os sertanejos, os negros e os indígenas.
Serviço:
“Borzeguim”
CD: “Amazônia, na trilha da floresta”
Interpretação: Mônica Salmaso e Mario Adnet
https://www.youtube.com/watch?v=Yra431cEAg0&ab_channel=marioadnetoficial
Gal Costa
https://www.youtube.com/watch?v=NJ_p88QGiHk&ab_channel=GalCosta-Topic
Tom Jobim - Ao Vivo em Montreal
https://www.youtube.com/watch?v=Dvt-LEl3Dn8&ab_channel=BiscoitoFino
Autor:
Francisco José Nunes
Mestre em Ciências Sociais - PUC-SP; Graduado em Filosofia; Professor
na Faculdade Paulista de Comunicação - FPAC.
P.S.: Este artigo foi publicado originalmente no site
"Construir Resistência", no dia 01 de outubro de 2021.
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