segunda-feira, 18 de abril de 2022

Uma trégua de Natal no meio da guerra

 

Filme: "Feliz Natal" - Foto: Divulgação

Uma trégua de Natal no meio da guerra


Por: Francisco José Nunes



Alguém poderia imaginar que durante uma guerra os dois exércitos oponentes fariam uma trégua para celebrar o Natal? Pois é, isso aconteceu! Tem um filme que recuperou este acontecimento histórico.


O filme “Feliz Natal” (2005) é uma ficção baseada em fatos reais. Trata-se de um episódio importante ocorrido durante o Dia de Natal de 1914. O cenário é a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), nas trincheiras entre a Alemanha e a Bélgica. Logo após o início da guerra, havia uma hipótese de encerramento, dessa mesma guerra, antes do Natal de 1914. Neste período ocorreu uma “guerra de trincheiras”, porque nenhum dos lados conseguia avançar. De modo geral, as trincheiras inimigas ficavam com uma distância de 100 metros. Isso permitia metralhar inúmeros soldados de ambos os lados, mas também possibilitava fazer provocações verbais devido à proximidade.


Em dezembro de 1914 ocorreu um inverno rigoroso, tornando mais difícil o deslocamento das tropas. No dia 24 de dezembro, as tropas de ambos os lados receberam árvores de natal, bebidas e alimentos. Um dos lados começou a entoar hinos de natal, sendo prontamente seguido de hinos natalinos do outro lado. Um dos soldados do lado alemão era o tenor Nikolaus Sprink, que estava com sua esposa, a soprano Anna Sörensen e começaram a cantar as músicas “Noite Feliz” e “Adeste Fideles”. Em seguida, espontaneamente, foi decretada uma trégua e começou a confraternização entre as tropas inimigas. Trocaram presentes, mostraram as fotos de suas esposas e namoradas, falaram o que conheciam sobre os países e suas cidades, especialmente Paris.


Neste clima, um padre anglicano, que atuava como enfermeiro, celebrou uma emocionante missa, embalada pela soprano que cantou “Ave Maria”. Os soldados ainda aproveitaram a trégua para jogar futebol. Também realizaram o enterro dos soldados mortos e no dia seguinte a guerra continuou. Entretanto, os soldados e o padre sofreram severas punições. A tropa alemã foi enviada para os campos de batalha contra a Rússia e o padre recebeu ordens diretas de um bispo anglicano para retornar para a Escócia. 


O diálogo entre o padre e o bispo é revelador sobre o uso perverso que é feito da mensagem de Jesus. Ao ser advertido pelo bispo sobre a missa que celebrou junto com as tropas inimigas, o padre disse: “Foi a missa mais importante da minha vida”. Em seguida o bispo vai celebrar uma missa para as tropas britânicas e inicia com o Evangelho de Mateus onde diz: “Não vim trazer a paz, mas a espada” (Mt 10, 34). E segue com sua pregação: “Vocês são os defensores da civilização. As forças do bem contra as forças do Mal. Essa guerra é na verdade uma Cruzada. Uma guerra santa para salvar a liberdade no mundo. Na verdade eu lhes digo: que os alemães não agem como nós e nem pensam como nós. Porque eles não são como nós, filhos de Deus”.


Não consta no filme, mas sabe-se que no dia 7 de dezembro de 1914, o Papa Bento XV fez um apelo a todos os líderes da Europa pela realização de uma trégua durante o Dia de Natal. Ele disse: “Que as armas possam cair no silêncio pelo menos na noite em que os anjos cantam”. Mas os chefes de Estado não deram ouvidos ao Papa. Entretanto, os subalternos realizaram “A Trégua de Natal”.


A Primeira Guerra Mundial causou um grande impacto no Brasil e na América Latina. Atingindo a economia, a política, a cultura, as relações internacionais e as práticas religiosas. Depois da triste associação entre a cruz e a espada durante os primeiros séculos de colonização do Brasil, agora a Europa que se impunha como modelo de sociedade para o mundo, fracassou enquanto “civilização ocidental cristã”. 


Será que em meio a essa “guerra híbrida” que estamos vivendo no Brasil desde 2013, teremos uma trégua neste Natal de 2021? Qual será o comportamento dos líderes das igrejas cristãs? Continuarão apoiando publicamente ou silenciosamente esse governo genocida? Quantas crianças morrerão por falta de vacina? Será que o povo conseguirá realizar uma confraternização, mesmo a contragosto dos poderosos?


É importante lembrar que após essa “Trégua de Natal” realizada em dezembro de 1914, os chefes militares proibiram qualquer outro tipo de confraternização nos campos de batalha. Inclusive, nos anos seguintes, no Dia de Natal, eles mandavam aumentar os bombardeios. Mesmo assim, ocorreram tentativas de confraternização durante a Páscoa e em outros momentos. Enquanto isso, no final de 1917, os comunistas conquistaram o poder na Rússia com o lema: “Paz, Terra e Pão”. Eles retiraram a Rússia da guerra, fizeram a Reforma Agrária e proporcionaram pão para os pobres.


Desde já, Feliz Natal queridos leitores e leitoras! Que tomemos fôlego, porque o ano de 2022 terá que ser um ano de luta acirrada contra o fascismo brasileiro. Foi durante a Primeira Guerra Mundial que Hitler começou a sua carreira, juntamente com vários oficiais alemães. 


É preciso estar atento e forte! Feliz 2022, com muitas lutas e muitas vitórias!



Serviço:

Filme: Feliz Natal (2005) - 116 min.

Direção: Christian Carion

Plataforma: HBO


Autor:

Francisco José Nunes

Mestre em Ciências Sociais - PUC-SP; Graduado em Filosofia;

Professor na Faculdade Paulista de Comunicação - FPAC.

P.S.: Este artigo foi publicado originalmente no site "Construir Resistência", no dia 23 de dezembro de 2021.


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