Agosto: mês do desgosto e mês de luta pela vida
Por: Francisco José Nunes
No senso comum é costume dizer que “agosto é o mês do desgosto”! São atribuídas inúmeras razões para justificar esta sentença. Na Idade Antiga diziam que um grande dragão sobrevoava, em agosto, a cidade de Roma soltando fogo pelas ventas; que o dia 24 de agosto seria o “Dia do Diabo” e que neste dia as portas do inferno estariam abertas.
Em Portugal, durante o período das “grandes navegações” não era aconselhável marcar casamento em agosto, porque nesse mês saia a maior parte das caravelas e, por consequência, ocorreriam as separações e até a viuvez. Daí o famoso dito popular: “casamento em agosto, casamento de desgosto”.
O trágico massacre da “Noite de São Bartolomeu” foi no dia 24 de agosto de 1572, quando os Católicos assassinaram milhares de Protestantes na França. Também foi no mês de agosto de 1945 que os EUA atiraram as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, nos dias 6 e 9, respectivamente.
No Brasil, o Presidente Getúlio Vargas se matou no dia 24 de agosto de 1954; o Presidente Jânio Quadros renunciou à presidência no dia 25 de agosto de 1961 e no dia 31 de agosto ocorreu o Golpe de 2016, culminando com o afastamento da Presidenta Dilma Rousseff.
Evidentemente, muitos acontecimentos positivos ocorreram no mês de agosto, ao longo dos séculos. Mas a cultura popular enfatiza os aspectos sombrios.
Tudo indica que os principais desgostos do mês de agosto de 2021 serão proporcionados pelos movimentos negacionistas e anticientificistas. Movimentos que estavam em crescimento antes da pandemia do coronavírus e permanecem em franco crescimento. Segundo o professor Christian Dunker (USP), o negacionismo costuma se manifestar principalmente de três maneiras: a) como uma criança, que diante daquilo que desagrada ou causa medo, fecha os olhos acreditando que esta atitude afastará o perigo; b) como fanatismo, quando a pessoa negacionista é manipulada por grupos políticos de extrema-direita, chegando a participar de ações públicas contra medidas sanitárias; c) como multidão, isto é, desrespeitando as regras sanitárias, se incorpora à maioria das pessoas, acreditando que a negação coletiva da pandemia trará de volta o “novo normal”.
Já é sabido que a vacina não é remédio. Vacina é um recurso que faz parte de um Plano de Imunização e que pelo menos 80% da população precisa ser vacinada, dentro do prazo correto, para que tenha sucesso. Pelo andar da carruagem, tudo indica que não atingiremos essa taxa. Seja porque o atual governo faz uma campanha pesada contra a vacina, bem como porque muitas pessoas se negam a tomar a vacina.
O comportamento antivacina e anti-medidas sanitárias causou o surgimento de inúmeras variantes do coronavírus. Estamos convivendo com as variantes: Gama, Delta, Alfa e Beta. Cada uma mais nefasta do que a outra. Lamentavelmente, grande parte da população está sendo seduzida pelo discurso do “novo normal”. Baseado na precária campanha de vacinação, explorando o anseio das pessoas por desejarem voltar à “vida normal”. Esse comportamento cria constrangimento nas pessoas que ainda insistem em usar máscara (no padrão correto), usar óculos, seguir os protocolos de segurança sanitária (higiene das mãos, distanciamento social, calçados e roupas na entrada da casa etc.). A vacinação está desencadeando um movimento de “liberô geral”. Isto é, depois de vacinada a pessoa pode voltar à sua “vida normal”.
Esta situação complexa está causando sofrimento em muitas pessoas, porque ficam com dificuldades para decidir como agir. Sem dúvida, a primeira decisão é continuar obedecendo as normas de segurança sanitária, seguir na luta em defesa da ciência e do bom senso! No que diz respeito às relações humanas o drama é enorme, porque grande parte das pessoas negacionistas estão muito próximas. São parentes, vizinhos, amigos, colegas de trabalho, da escola e da igreja.
Precisamos admitir que, caso não ocorra uma revolução ecossocialista, teremos que conviver neste ambiente pandêmico por muito tempo. Isso significa, inclusive, admitir que estaremos constantemente ameaçados pela morte em grande intensidade. Isso altera muito a nossa visão de mundo e os nossos critérios de relacionamento.
Tudo indica que o grande desgosto deste mês de agosto serão as consequências das novas variantes do coronavírus, que deixarão um enorme rastro de mortos e sequelados. Percebe-se que o lema predominante ao longo da pandemia - “foda-se” - tem agora a sua versão macabra: “a vida não vale nada”. A busca pelo “novo normal” não tem motivação econômica (porque todas as decisões de “política econômica” tomadas antes e durante a pandemia, foram para destruir empregos e destruir as condições minimamente humanas para trabalhar); a busca pelo “novo normal” não tem motivação política (porque a maioria das pessoas adotou uma postura omissa, permitindo que os fascistas e o neoliberais assumissem a condução da política); a busca pelo “novo normal” não tem motivação social (porque o que prevaleceu durante a pandemia foi o egoísmo e os comportamentos anti-sociais); a busca pelo “novo normal” não tem motivação cultural (porque o processo de desmonte da cultura e desvalorização dos trabalhadores e trabalhadoras da cultura continua em marcha - e incêndios - acelerada); a busca pelo “novo normal”, sequer tem motivação religiosa (porque as grandes religiões adotaram a “teologia sacrificial”, sinalizam que as mortes e doenças são para expiar os pecados; na verdade, tratam-se de práticas idolátricas, que oferecem o sacrifício de vidas humanas para os ídolos).
O mês de agosto de 2021 está em aberto, cabe a nós enfrentarmos as causas dos desgostos e proporcionarmos - para nós e para a sociedade - novos gostos e novos sabores!
Autor:
Francisco José Nunes
Mestre em Ciências Sociais - PUC-SP; Graduado em Filosofia; Professor
na Faculdade Paulista de Comunicação - FPAC.
P.S.: Este artigo foi publicado originalmente no site
"Construir Resistência", no dia 18 de agosto de 2021.
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